Archive for Junho, 2012

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Trova

Junho 30, 2012

“O mundo só vai prestar

Para nele se viver

No dia em que a gente ver

Um maltês casar

Com uma alegre andorinha

Saindo os dois a voar

O noivo e a sua noivinha

Dom Gato e Dona Andorinha”

Trova de Estevão da Escuna

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá:

Uma história de amor de Jorge Amado (excerto)

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Enquanto

Junho 29, 2012

Enquanto

um calor mole nos tira a roupa

e mesmo nus sobre a cama

os corpos continuam a pedir água

em vez doutro corpo,

penso no tempo em que o suor

e a saliva e o odor e o esperma

faziam dessa agonia

a alegria

a que chamávamos amor.

Eugénio de Andrade

Imagem: Nikolay Antonov

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O mundo estava no rosto da amada

Junho 25, 2012

O mundo estava no rosto da amada

E logo converteu-se em nada,

mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei

no rosto amado, um mundo à mão, ali,

aroma em minha boca, eu só seu rei

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.

Mas eu também estava pleno de

mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

António Carlos Menezes

Imagem: Slawek Gruca

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É por ti que escrevo

Junho 24, 2012

É por ti que escrevo que não és musa nem deusa
mas a mulher do meu horizonte
na imperfeição e na incoincidência do dia a dia
Por ti desejo o sossego oval
em que possas identificar-te na limpidez de um centro
em que a felicidade se revele como um jardim branco
onde reconheças a dália da tua identidade azul
É porque amo a cálida formosura do teu torso
a latitude pura da tua fronte
o teu olhar de água iluminada
o teu sorriso solar
é porque sem ti não conheceria o girassol do horizonte
nem a túmida integridade do trigo
que eu procuro as palavras fragrantes de um oásis
para a oferenda do meu sangue inquieto
onde pressinto a vermelha trajectória de um sol
que quer resplandecer em largas planícies
sulcado por um tranquilo rio sumptuoso

António Ramos Rosa

Imagem: Evelina Oliveira

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Paráfrase

Junho 11, 2012

Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.

A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.

Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.

Pedro Mexia

Imagem: Jackie Ludtke