Archive for the ‘Mário de Sá-Carneiro’ Category

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Último soneto

Abril 21, 2014

Que rosas fugitivas foste ali:
Requeriam-te os tapetes – e vieste…
– Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste –
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi…

Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava…

E fugiste… Que importa ? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?…

Mário de Sá-Carneiro,  in Poesias (Verbo, 2005)

Arte por Irina-Kotova

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Labirinto

Maio 7, 2010


Perdi-me dentro de mim

Porque eu era labirinto

Mário de Sá-Carneiro

Imagem: Vitor Moinhos

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Feminina

Março 1, 2010

Eu queria ser mulher pra me poder estender
Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos cafés.
Eu queria ser mulher para poder estender
Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.

Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida
E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro –
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas e a fazer «potins» – muito entretida.

Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios
E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar –
Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios,
Que num homem, francamente, não se podem desculpar.

Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
E enganá-los a todos – mesmo ao predilecto –
Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,
Com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes…

Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar…

Mário de Sá-Carneiro

Arte por Anna Saenko