Archive for Julho, 2009

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Labirinto ou não foi nada

Julho 31, 2009

Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão-Ferreira

Imagem: Finela Moore

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Presídio

Julho 31, 2009

Nem todo o corpo é carne … Não, nem todo,
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco …?

E o ventre, inconsistente como o lodo? …
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor … Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo …

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono …
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

David Mourão-Ferreira

Imagem: Finela Moore

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Picture of my own

Julho 29, 2009

“…touch me

make me feel i’m alive

or forgget me

maybe I would die with time

love me

all I need is a hug

embrace me

‘cause times are going too rough…”

Fingertips, Picture of my own

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o do amor

Julho 28, 2009

Espaço sem portas, sem estradas, o do amor.
O primeiro desejo dos amantes
é serem velhos amantes.
E começarem assim
o amor pelo fim.

Regina Guimarães

Imagem: Sami Briss

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Segredo

Julho 27, 2009

A noite estava escura
escura e fechada até à beira do mar
escura e fechada estava a noite.

E os langues
olhos dos dois encontraram
no céu o Cruzeiro do Sul Xi-Ronga
e uma poalha de estrelas cobriu confidências
mundos de silêncio
o litúrgico frenesi dos dedos
e o desejo ardente de não ser
mais do que um.
A noite estava escura
E fechada à beira do mar.

Mas o beijo
Dos dois no tempo esquecido
Transformou a noite.

José Craveirinha

Imagem: Roberto Chichorro

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Navio errante

Julho 27, 2009

Navio errante,
atraquei ao cais do Amor.

Daí em diante
fui-me ao sabor
de ondas, pária
de incerto rumo, bússola perdida.

Onde a linha imaginária
do verde equador
da minha vida?

Navio errante,
sem leme nem comandante,
meu sonho é corcel sem rédea
a gravitar na linha média
entre o equador
e o cais do Amor!

Maria Eugénia Lima

Imagem: Patricia Jo Peacock

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O amor quando se revela

Julho 20, 2009

O amor, quando se revela,
não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar,
e se um olhar lhe bastasse
pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
o que não lhe ouso contar,
já não terei que falar-lhe
porque lhe estou a falar…

Fernando Pessoa

Imagem: Leonor Fini

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Quero apenas cinco coisas

Julho 15, 2009

Quero apenas cinco coisas…

Primeiro é o amor sem fim

A segunda é ver o Outono

A terceira é o grave Inverno

Em quarto lugar o Verão

A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.

Não quero ser… sem que me olhes.

Abro mão da Primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda

Imagem: Trisha Lambi

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Agora é diferente

Julho 12, 2009

Agora é diferente
Tenho o teu nome o teu cheiro
A minha roupa de repente
ficou com o teu cheiro

Agora estamos misturados
No meio de nós já não cabe o amor
Já não arranjamos
lugar para o amor

Já não arranjamos vagar
para o amor agora
isto vai devagar
isto agora demora

Manuel António Pina

Imagem: Finela Moore

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Quem és tu

Julho 3, 2009

Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Misti Pavlov