Archive for Fevereiro, 2009

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Suave

Fevereiro 28, 2009

Sincera como as crianças

falas com o corpo todo.

Ainda quando descansas

há peixes vivos no lodo.

Recebem-me as tuas pernas,

durmo encostado ao teu braço,

tuas rudes frases ternas

lavam o rumo que faço.

Se neste Inverno me alargo

pelos caminhos adversos,

és tu o café amargo

que aquece o peito aos meus versos.

O teu sorriso perfeito,

mais leve que um voo de ave,

é o leito em que me deito,

suave, suave, suave, suave.

Vasco Costa Matos

Imagem: Françoise Groulleau

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Breve

Fevereiro 24, 2009

Breve

o botão que foste

e o pudor de sê-lo.

Breve

o laço vermelho

dado no cabelo.

Breve

a flor que abriu

e o sol mudou.

Breve

tanto sonho findo

que a vida pisou.

João José Cochofel

Imagem: Luís Couto

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Cantiga

Fevereiro 23, 2009

Deixa-te estar na minha vida

Como um navio sobre o mar.

Se o vento sopra e rasga as velas

E a noite é gélida e comprida

E a voz ecoa das procelas,

Deixa-te estar na minha vida.

Se erguem as ondas mãos de espuma

Aos céus, em cólera incontida,

E o ar se tolda e cresce a bruma,

Deixa-te estar na minha vida.

À praia, um dia, erma e esquecida,

Hei, com amor, de te levar.

Deixa-te estar na minha vida.

Como um navio sobre o mar.

Cabral do Nascimento

Imagem: Roxana Niculae

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Imortais

Fevereiro 22, 2009

“…Eu sei que ainda somos imortais

Se nos olhamos tão fundo de frente

Se o meu caminho for para onde vais

A encher de luz os meus lugares ausentes

É que eu quero-te tanto

Não saberia não te ter

É que eu quero-te tanto

É sempre mais do que eu te sei dizer

Mil vezes mais do que eu te sei dizer…”

Mafalda Veiga, Imortais

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Soma

Fevereiro 21, 2009

O que o teu amor me dá:

a pérola no centro,

a exacta e pequena pérola

por onde a luz se esvai,

num fechar de olhos,

entre nós.

E o riso tão inesperado

nesse campo de cansaço

em que o repouso

cresce, trazendo a razão

aos braços da loucura.

Os teus olhos onde

os meus mergulham, lago

manso da tarde que

empurramos, à janela,

até o dia inteiro

ser madrugada.

E ver-te acordar, como

o brilho que salta de antigas

colinas e se espalha

por frescos lençóis de

onde te roubo, abrindo

a manhã.

Nuno Júdice

Imagem: Sparks

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Audácia

Fevereiro 20, 2009

Dispo-me de roupa e de preconceitos

Chuto contra a parede sapatos e tabus

Fico assim exposta e disposta

A nudez confiante e desafiante

O corpo pergunta

Esperando resposta

Esperando audácia no avanço do teu.

Encandescente

Imagem: Elena Ilku

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Quimera

Fevereiro 19, 2009

Eu quis um violino no telhado

e uma arara exótica no banho.

Eu quis uma toalha de brocado

e um pavão real do meu tamanho.

Eu quis todos os cheiros do pecado

e toda a santidade que não tenho.

Eu quis uma pintura aos pés da cama

infinita de azul e perspectiva.

Eu quis ouvir ouvir a história de Mira Burana

na hora da orgia prometida.

Eu quis uma opulência de sultana

e a miséria amarga da mendiga.

Eu quis um vinho feito de medronho

de veneno, de beijos, de suspiros.

Eu quis a morte de viver dum sonho

eu quis a sorte de morrer dum tiro.

Eu quis chorar por ti durante o sono

eu quis ao acordar fugir contigo.

Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.

Por isso fiquei só, com o meu corpo.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Fabienne Barbillon

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Primeiro encontro

Fevereiro 18, 2009

Veio da virtual imensidão

Como quem sai dum sonho ao acordar.

Ofereceu-me a face, para a beijar,

Com o rubor feliz duma emoção.

Convidei-a prá minha refeição.

E as velas sobre a mesa do jantar

Brilhavam no azul do seu olhar

Como estrelas no Céu duma ilusão.

O que comemos? Sei lá se comemos,

Que em profundos olhares nos perdemos

Como quem enlouquece a pouco e pouco.

Nem sei sequer se lhe falei de amor

Nesse meu derradeiro esplendor:

Última lucidez de quem está louco.

Cândido Felisteu

Imagem: Alexander Klevan

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Marcas de batom

Fevereiro 17, 2009

Avermelhas

As minhas ideias

Quando passas

Nas teias

Que teço

Quando não adormeço.

E ateias

Fogueiras

Com que incendeias

As lareiras

Onde arde a emoção,

Em forma de mulher,

Dum poeta

A enlouquecer.

O dia escureceu

E o poeta louco

Adormeceu…

E sonhou

Que o rubro lençol

Onde dormiu,

Não era o dele,

Era o teu.

E de manhã, quando acordou,

Ao ver-se ao espelho,

Viu na face, marcas

De batom vermelho,

Da boca com que sonhou.

Cândido Felisteu

Imagem: Tamara de Lempicka

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Continuação…

Fevereiro 17, 2009

Há quem diga que “Um gato tem nove vidas: brinca com três, perde outras três e vive nas três restantes “.

O gato a quem dediquei este blog, na minha opinião, perdeu uma vida.

Porque me pediram,

porque afinal o que divulgo faz sentido para alguém

continuarei a divulgar o que gosto.

Muito obrigada.