Archive for the ‘Joaquim Monteiro’ Category

h1

Clara Água

Março 21, 2014

Eu sou a palavra que transita
De teu olhar, a clara água.
Leve, breve e subtil a imanência
Do perfume.
Que na inocência do momento
Se entrelaça.
Ansiosas as mãos procuram
O delírio do olhar.
E o sol nos lábios nasce.
Sereno o rosto do dia, o hálito fresco
Do lírio, trespassando o aroma do beijo.
Tão branca a cal dos muros, onde o amor
Se inscreve insubordinado.
E o mundo tão grande e tão azul
Nas palavras reflectidas no murmurar dos lagos.
Hoje escrevo amor e visto solene traje
Para que o dia não morra até ao despir da noite
E fiquem espalhadas pelo chão
As roupas do nosso contentamento.

Joaquim Monteiro, in RIO DE DOZE ÁGUAS, 12 POETAS (Coisas de Ler Ed., 2012)

Arte por Leonid Afremov

h1

Marear

Agosto 28, 2013

Respiro a tua pele nos meus dedos
Colho a tua saliva em meus lábios
Beijo o mar dos teus segredos.

E sou barco, timoneiro e passageiro
Aquele que voga no ondular das vagas
Que navega em tuas águas
E te sulca em espasmos de alegria.

Afogado em teu ventre dou à costa
Como náufrago boiando sobre teus seios
E ressuscito com minha boca sobre a tua
O meu peito arfando sobre o teu.

As minhas mãos em tua praia
E sou espuma do sal que te beija.

A alga macia na seda ondulante
Sabe agora o teu corpo a maresia
Os teus olhos brilham, mar azul
Espelham o voo rasante das gaivotas
Em dia de tempestade e calmaria.

Fátima Guimarães e Joaquim Monteiro

Imagem: Liu Yuanshou

h1

O nome da entrega

Junho 19, 2013

Alto o lento sabor da boca
No decifrar abstracto do beijo.
Compreender a distância
Entre o querer e ser, moinho de pedra
E trigo na boca faminta.

Desejar a alta claridade da pedra
Do lírio sobre a terra.
Beijar a luz que emana
Sem saber como, nem quando, nem onde,
Mas sim beijar a transparência
No silêncio dos lábios.

Deixar que o corpo se envolva
Pelo chão de toda a planície verde.
Entrar pelo leite das espigas
Nas gotas de um amor ardente.

Lâmina fina, o sol sobre os olhos
A mão nova, que apalpa todos os segredos
Que a luz descobre em todos os recantos
Onde a bruma é mais doce
E mais fresco o sorver da terra.

Alta e branca a claridade do desejo
Basta um fósforo, para incendiar
O ar de teu abstracto nome.
E decifrar no fogo o nome da entrega.

Joaquim Monteiro

Imagem: Ingrid Tusell