Archive for the ‘Sophia de Mello Breyner Andresen’ Category

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Eis-me

Junho 1, 2014

Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente

Sophia de Mello Breyner Andresen,

in LIVRO SEXTO (Moraes Ed, 1962) e OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

Arte por Albena Vatcheva

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Há mulheres que trazem o mar nos olhos

Julho 24, 2013

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes…
e calma

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Paul Milner

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Que nenhuma estrela queime o teu perfil

Julho 8, 2013

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Laurie Kaplowitz

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Os dias de verão

Janeiro 18, 2011

Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Umberto Boccioni

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Sacode as nuvens

Junho 5, 2010

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,

Sacode as aves que te levam o olhar.

Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,

Mesmo que os meus gestos te trespassem

De solidão e tu caias em poeira,

Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras

E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Maki Horanai

Dedicado ao Zé que me deixou para sempre no passado dia 3.

Sem dor, repousa em Paz.

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Nome

Dezembro 7, 2009

Em nome da tua ausência

Construí com loucura uma grande casa branca

E ao longo das paredes te chorei

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Jean -Claude Forez

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Inscrição

Novembro 17, 2009

Quando eu morrer voltarei para buscar

os instantes que não vivi junto ao mar

Sophia de Mello Breyner Andresen

Arte por Connie Chadwell

Homenagem à tia Natália que hoje nos deixou.

Muitas saudades.

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Quem és tu

Julho 3, 2009

Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Misti Pavlov

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Mar

Março 12, 2009

De todos os cantos do mundo

Amo com um amor mais forte e mais profundo

Aquela praia extasiada e nua,

Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem: Rodica Toth Poiata

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Terror de te amar…

Março 8, 2009

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa

Sophia de Mello Breyner Andresen,  in CORAL (1950) e OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

Imagem: Rodica Toth Poiata