Archive for the ‘Lília Tavares’ Category

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É por ti que se enchem os rios

Outubro 15, 2014

É por ti que se enchem os rios

de carpas azuis,

de águas que querem saltar

pela minha janela.

Como é belo este silêncio ilimitado

quando nas copas redondas das árvores

o teu nome me chama.

Pedi-te que apagasses a lua

e que nos campos tacteando te encontrasse.

Sei-te na aurora, por isso não temo

e agora a lanterna dos dias pode

por fim ficar em ventos de abraços.

Voam aves dentro dos teus sonhos

como memórias de pétalas acordadas.

Ficas ancorado dentro do meu tempo.

Não há saudade nem solidão

que se não derrube.

Lília Tavares, in Parto com os Ventos, Prefácio de Carlos Eduardo Leal

Arte de O.De Schwilque

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Rumor

Agosto 14, 2014

Visto-me deste silêncio
como de um vestido de folhas.
Como álamo espreguiço o verde
no rumor de muitas águas.

Sou corpo, beijo profundo e desejo
e sinto-me perder nos lençóis
das tuas mãos que me envolvem
e convidam como linho fresco.

Descalça, para lá das montanhas sábias,
as ondas desnorteadas de um mar redondo.
Sei que nas asas de uma gaivota entontecida
eu parti contigo nos rumores das coisas libertas.

Asa e fogo, grito e beijo,
folhagem e água,
amor e ternura agreste
eu sou.

Lília Tavares (a publicar)

Arte por Denis Nunes

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Insensatez

Junho 11, 2014

Adormecemos
na serenidade dos mares,
como peixes descuidados
anémonas de mão dada,
espelhados e quentes
e sonhamos enrolados nas algas.
Erguemos castelos de confiança na areia
com grãos de certezas,
de mudança…
Levantamo-nos devagar,
ausentes e pouco despertos,
tantas vezes perdidos,
sofridos,
por ventos varridos,
que nos sopram dúvidas,
nos cobrem de ondas de nudez,
nos fazem submergir
até ao fundo do abismo
dos receios e dos perigos,
onde crescem
as algas descoloridas
das incertezas …

José Gabriel Duarte e Lília Tavares (a publicar)

Arte por Carlos Valença

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Chovo

Maio 14, 2014

Chovo
sentada dentro de mim.
Foste e contigo a tua pele
que me secava as lágrimas de silêncio.
Contigo foram as mãos, o abraço,
o beijo lavado e inteiro.
Da minha gruta já é doloroso sair.
Os meus olhos, outrora largos,
apertam-se para fugir à chama agressiva.
Estou fria e desabitada.
Vem.
Aqui o tempo partiu do tempo.
Só tu podes consertar os ponteiros despedaçados da
memória.
Contigo os ventos virão
e as aves que tinham desistido,
vão nidificar de novo no meu colo.

Lília Tavares, in Parto com os Ventos (Kreamus, 2013)

Arte Renata Brzozowska

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Em cada sílaba te escrevo

Abril 6, 2014

Em cada sílaba te escrevo,
porque há ventos que amam
a praia e as nossas asas,
teimam em voltar galopantes
de onde nunca partiram.
Toco a areia e não me sinto só;
as rendas das ondas
enfeitam-me os cabelos,
prolongam as algas.
Sou água, areia, tu o búzio das marés.
Sabes, adivinhas,
escutas, silencias.
Por isso o nosso toque
não é breve nem sem gosto,
por isso há rios que
se abrem apenas
porque os momentos
se prolongam e entardecem os corpos.

Lília Tavares, in Parto com os Ventos

Arte por Anna Bocek

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Perdi as mãos por tão pouco

Fevereiro 8, 2014

Perdi as mãos por tão pouco.
Por uma gota da água dos teus olhos,
pelo rumor na tua boca,
pelo ciciar dos ventos nas muralhas.
perdi as mãos por tão pouco…
Ficou-me a fome na boca,
fome de quem nada deseja
para além da antemanhã.
Acho um a um os meus dedos
delgados, ventos nos cabelos,
as palmas das mãos tão sulcadas,
tão leito onde as águas se demoram.
Com as minhas mãos perdidas
encontro branca
a nudez das tuas.
Com elas brinca
a fragrância da madrugada.

Lília Tavares, in Parto com os Ventos (Kreamus, 2013)

Arte por Robin Eley Adelaide

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Encosto o ouvido às algas

Fevereiro 1, 2014

Encosto o ouvido às algas
e escuto os teus passos
na areia de contornos
verdes dos rumores das ondas.
Acelero a minha vida em espera,
abrando de dor o meu desejo.
Para ti me envolvo, me perco,
para mim caminhas seguro,
quente, esperado.
Podem evadir-se as gaivotas.
Não vai estender-se aqui a manhã.

Lília Tavares, in Parto com os Ventos (Kreamus, 2013)

Arte por Alena Plihal

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Parto com os ventos

Janeiro 15, 2014

Esta noite é líquida
nos meus olhos esvaziados
de rumores e saudade.
Fixo o farol e a luz
da vida cúmplice.

Como as gaivotas parto
e regresso
porque este areal é meu.

Nem os búzios perdidos
nas águas profundas me podem
chamar com cânticos e brilhos.

Sou ilha e barco,
tu a margem que espera.

Parto com os ventos.

Sei de uma ilha de ventos
onde os pássaros azuis
da solidão fazem festins
no oceano das águas velozes.
Fiquei na orla branca das ondas,
noveladas como búzios deslumbrados.
Estendida entre brumas
preciso desse silêncio,
das asas abertas do afastamento
de luas desveladas.

o meu olhar de tanto mar
fixou-se numa nuvem de vento.
Dispo-me de gaivotas
quando é o teu olhar com asas
que me solta e agarra,
pois dois sentidos moram
para além de nós,
nos habitam e esperam
sentados aos tropeções
dentro dos nossos corpos.
São aves de muitas ondas,
as que nos beijam.
A hora chegou com o seu gume.
Amor,
volto a partir com os ventos ….

Estas horas
sulcam rios
nos dedos das minhas mãos.
Horas, horas sem fim,
esperarei por ti
até que o mar me traga a tua voz
ou os gritos roucos das gaivotas
me tragam o silêncio desta ilha
tornada espera.
Procuro-te no fim negro do asfalto
onde te vi desaparecer,
após a calma dos objectos partilhados
no balbuciar dos nossos dedos
Horas, horas sem fim,
serei banco de madeira
ou cais de espera.
Vem.

Lília Tavares , in PARTO COM OS VENTOS (Kreamus, 2013)

Arte por Michael Shapcott

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Parto com os ventos

Janeiro 4, 2014

Passamos pelos ventos
como as aves tardias.
Azul é a folhagem
que cobre a nossa nudez branca.

Violinos tocam a melodia
dos nossos abraços
e as ondas beijam
os lábios plenos e sedentos
por outra boca.

Sou tarde e noite
deste dia segundo
em que os relógios
páram para nos deixar
avançar sobre as pedras as pedras
e à chuva.

Vazia fico sobre as tuas mãos abertas
e muda porque se alongam
os teus braços
e me envolve o teu corpo
suado e quente que desejo.

Nada sei.
Sou página em branco
onde a tinta dos teus gestos
me desenha e prolonga.

Esta noite é líquida
nos meus olhos esvaziados
de rumores e saudade.
Fixo o farol e a luz
da vida cúmplice.

Como as gaivotas parto
e regresso
porque este areal é meu.

Nem os búzios perdidos
nas águas profundas me podem
chamar com cânticos e brilhos.

Sou ilha e barco,
tu a margem que espera.

Parto com os ventos.

Lília Tavares , in Parto com os Ventos (Kreamus Edições, 2013)

Arte por Albena Vatcheva

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Perdi as mãos por tão pouco

Janeiro 2, 2014

Perdi as mãos por tão pouco.
Por uma gota da água dos teus olhos,
pelo rumor na tua boca,
pelo ciciar dos ventos nas muralhas.
perdi as mãos por tão pouco…
Ficou-me a fome na boca,
fome de quem nada deseja
para além da antemanhã.
Acho um a um os meus dedos
delgados, ventos nos cabelos,
as palmas das mãos tão sulcadas,
tão leito onde as águas se demoram.
Com as minhas mãos perdidas
encontro branca
a nudez das tuas.
Com elas brinca
a fragrância da madrugada.

Lília Tavares, in PARTO COM OS VENTOS (Kreamus, 2013)

Arte por Serge Marshennikov