Archive for the ‘Rosa Lobato de Faria’ Category

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De ti só quero o cheiro dos lilases

Fevereiro 16, 2014

De ti só quero o cheiro dos lilases
e a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
e a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
vampira que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
e um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
mendiga que já sou da tua pele.

Rosa Lobato de Faria in A Noite Inteira já não chega

– Poesia – 1983-2010 (Guimarães Editora, 2012)

Arte por Ricardo Fernandez Ortega

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Eu te prometo

Agosto 30, 2013

Eu te prometo meu corpo vivo
Eu te prometo minha centelha
minha candura meu paraíso
minha loucura meu mel de abelha
eu te prometo meu corpo vivo

Eu te prometo meu corpo branco
meu corpo brando meu corpo louco
minha inventiva meu grito rouco
tudo o que é muito tudo o que é pouco
meu corpo casto meu corpo santo

Eu te prometo meu corpo lasso
mar de aventura mar de sargaço
vaga de náufrago onda de espanto
orla de espuma do meu cansaço
eu te prometo meu doce pranto

Eu te prometo todo o meu corpo
ardendo eterno na nossa cama
como um abraço como um conforto

P´ra que me lembres além da chama
eu te prometo meu corpo morto

Rosa Lobato de Faria,

A NOITE INTEIRA JÁ NÃO CHEGA (Poesia 1983-2010), [Babel Ed., 2013]

Imagem: Michal Lukasiewicz

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Amei-te com as palavras

Junho 30, 2013

Amei-te com as palavras
com o verde ramo das palavras
e a pomba assustada do coração.

Amei-te com os olhos
o espelho doido dos olhos
e a sede inextinguível da boca.

Amei-te com a pele
as pernas e os pés
e todos os gritos que trago
por debaixo da roupa.

Amei-te com as mãos
As mesmas com que te digo adeus.

Rosa Lobato de  Faria

Imagem: Kamille Corry

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As pequenas palavras

Fevereiro 2, 2010

De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.

De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.

De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.

E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Lisa G.

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Quem me quiser

Outubro 25, 2009

Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantigas dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
à saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
– Ou então não saber a coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

Rosa Lobato de Faria
Imagem: Dorina Costras

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Vimos chegar as andorinhas

Abril 22, 2009

Vimos chegar as andorinhas

conjugarem-se as estrelas

impacientarem-se os ventos

Agora

esperemos o verão

do teu nascimento tranquilos, preguiçosos

Tão inseparáveis as nossas fomes

Tão emaranhadas as nossas veias

Tão indestrutíveis os nossos sonhos

Espera-te um nome

breve como um beijo

e o reino ilimitado

dos meus braços

Virás

como a luz maior

no solstício de junho.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Beth Budesheim

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Quimera

Fevereiro 19, 2009

Eu quis um violino no telhado

e uma arara exótica no banho.

Eu quis uma toalha de brocado

e um pavão real do meu tamanho.

Eu quis todos os cheiros do pecado

e toda a santidade que não tenho.

Eu quis uma pintura aos pés da cama

infinita de azul e perspectiva.

Eu quis ouvir ouvir a história de Mira Burana

na hora da orgia prometida.

Eu quis uma opulência de sultana

e a miséria amarga da mendiga.

Eu quis um vinho feito de medronho

de veneno, de beijos, de suspiros.

Eu quis a morte de viver dum sonho

eu quis a sorte de morrer dum tiro.

Eu quis chorar por ti durante o sono

eu quis ao acordar fugir contigo.

Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.

Por isso fiquei só, com o meu corpo.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Fabienne Barbillon

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Poema, beijo, estrela, afago…

Fevereiro 3, 2009

Outra coisa que o corpo há quem conheça.

Eu não. Somente nele me cumpro viva.

Poema, beijo, estrela, afago, intriga

Só no corpo me são pés e cabeça.

E coração também que às vezes teça

Razão de me saber mais que medida

Nessa trágica trama tão antiga

A que chamam ficar de amor possessa.

E é de novo poema, beijo, afago.

É de novo corpo que te trago

A exótica festa da nudez.

E tudo quanto sinto e quanto penso

Toma corpo no corpo a que pertenço.

E aqui estou: de barro, como vês.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Djillali

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Primeiro a tua mão…

Novembro 13, 2008

Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé – o meu – sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.

É a onda do ombro que se instala
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia, de tão leve.

O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
ímpeto que não ache um abandono.

Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
Somos a maré alta de quem ama.

Por fim o sono calmo, que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansando no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Sami Briss

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O teu amor absoluto

Novembro 12, 2008

O teu amor absoluto

é como a hera que envolve as paredes da casa.

Quero ser a casa

e que arranhes a cal da minha pele

e te aninhes nos meus ouvidos fendas

e perturbes a porta minha boca.

E por fim

procures o perigo das janelas

e enfrentes os meus olhos

infinitos de mágoa

noite e assombração.

Rosa Lobato de Faria, in ‘A Noite Inteira Já Não Chega Poesia – 1983-2010’, Guimarães Editora, 2012

Imagem: Sami Briss